Uma plataforma sobre o artesanato tradicional e as suas reinterpretações

 

Uma aplicação prática da dissertação “Olhares Criativos: Uma investigação sobre a inovação no artesanato tradicional no contexto das Indústrias Criativas”, produzida por Ana Vasco, no Mestrado de Comunicação e Gestão de Indústrias Criativas

Flup – Universidade do Porto

Arlindo Moura

Filigrana de Portugal

Arlindo Moura

a criação de um elo entre a inovação e a história

Texto: Ana Vasco / As fotografias indicadas foram cedidas pelo artesão

É comum que grandes artesãos guardem recordações grandiosas relacionadas ao início das suas carreiras: as primeiras experiências com ferramentas preciosas, as peças admiradas por todos, os segredos transmitidos pelos familiares experientes. No entanto, as memórias de infância do mestre de filigrana Arlindo Moura levam-nos a conhecer a sua divertida missão: apanhar, com uma pinça, as pequenas argolas que caíam no chão, entre os estrados, na oficina do avô. Este ato, que combinava destreza, precisão e paciência, foi essencial para que Arlindo se tornasse um homem atento ao que é simples, delicado e desafiador, capaz de criar peças fabulosas, como a ovelha bordaleira em tamanho real ou o vestido com corpete em filigrana, feito em parceria com a estilista Micaela Oliveira para a Expo 2020 em Dubai.

Arlindo Moura com a ovelha de filigrana atualmente exposta no Centro Interpretativo da Ovelha da Serra da Estrela. Foto: Manuel Marques / Arquivo Pessoal de Arlindo Moura

Um apanhador de argolas

O desafio diário proposto pelo avô era para todas as crianças, mas apenas Arlindo o encarava como uma obrigação. “Entre todos os netos, eu era o único que permanecia na oficina até conseguir apanhar uma argola, não importava quanto tempo demorasse”, relembra o artesão. A simbologia das pequenas argolas guarda uma corrente viva de conhecimentos e de tradições, que permanece inalterada. Mantendo este elo, Arlindo Moura preservou o legado da sua família ao tornar-se a sexta geração consecutiva de ouvires em Portugal. Ele continua a zelar pela sua história ao entregar, ao seu afilhado de quatro anos, uma antiga pinça para encontrar argolas no chão. Esta tarefa, árdua para uma criança, também proporcionou a Arlindo as primeiras lições de responsabilidade pessoal, método e gestão eficiente. “Tinha um esquema com o meu avô: as argolas que encontrava eram colocadas em locais específicos na bancada para identificar quem as tinha deixado cair”, explica Arlindo. Isso permitia que o miúdo percebesse o valor significativo das peças, a necessidade de os trabalhadores da oficina manusearem os materiais com extremo cuidado e que ele próprio era capaz de gerir e valorizar cada aspeto do ambiente de trabalho.

Durante a feira de Natal de Braga. No fundo, os estrados da oficina do avô. Foto: Ana Vasco

Redes de inovação

Desde muito jovem, Arlindo Moura criava peças elaboradas. Percebendo as inclinações e o espírito inquieto do neto, o avô tinha a estratégia de encaminhá-lo para aprender com os melhores profissionais da ourivesaria, proporcionando-lhe uma base sólida em diversas técnicas. “Ele não me ensinava diretamente nem fazia peças comigo, mas colocava-me sempre nos locais certos. Durante muito tempo, não compreendi a importância disso, mas agora, como responsável pela oficina e pela criatividade, percebo que isso foi essencial para eu conseguir realizar a quantidade de projetos que faço hoje”, ressalta Arlindo. Com um conhecimento profundo da arte da filigrana e uma grande capacidade de integrar técnicas tradicionais com abordagens contemporâneas, reunir pessoas competentes e coordenar equipas, Arlindo é o profissional que aceita os projetos que ninguém acredita que possam ser concretizados. Foi assim com a criação da ovelha bordadeira feita em filigrana certificada, um projeto que envolveu uma pesquisa meticulosa e colaborações multidisciplinares. Para produzir o animal tridimensional, com 110 cm de comprimento, 90 cm de altura e 15 quilos, foram utilizados sete quilómetros e meio de fio de prata dourada e foram realizadas mais de 75 mil soldaduras.

Arlindo Moura com o vestido de filigrana produzido em parceria com a estilista Micaela Oliveira e durante um workshop na oficina de ourivesaria que pertenceu ao seu avô, uma das mais antigas de Portugal. Fotos: Arquivo pessoal de Arlindo Moura

A riqueza do tempo

Para além dos projetos complexos que habitualmente aceita, Arlindo enfrenta constantemente o desafio de equilibrar a simplicidade – que considera quase uma declaração de princípios – com o reconhecimento do seu talento e a complexidade do seu ofício. Nas feiras, ele gosta de captar, de forma anónima, as opiniões dos clientes sobre as suas obras. “Não uso as peças que faço, portanto não tenho que ser eu a gostar delas. O importante é que os meus clientes se sintam realizados com elas”, afirma. No entanto, as reações são invariavelmente positivas, o que reforça a convicção de Arlindo de que o artesanato, por exigir tempo, habilidade e dedicação, está cada vez mais valorizado e a caminho de se tornar “a profissão de luxo do futuro”. Aliás, para Arlindo, o conceito de luxo tem uma dimensão muito própria. Tendo crescido num ambiente adornado por peças de grande valor, como o ouro e a filigrana, ele aprendeu a valorizar a arte e o artesanato pela dedicação que cada peça exige. Desde cedo, compreendeu que o recurso mais precioso e raro de um artesão é o tempo dedicado à criação, à inovação, às conexões humanas e à produção das obras. O tempo é o maior responsável por imprimir nas peças a história e a paixão dos grandes mestres que o antecederam. Na velha oficina herdada por Arlindo, agora silenciosa e mais vazia, a bancada do avô é um espaço sagrado. Ali, o passado é reverenciado e reformulado em todas as novas criações. Neste espaço, Arlindo Moura tem feito a sua própria história, não deixando que nenhum elo se perca para sempre entre os estrados da madeira. Ele é a continuidade irreverente e criativa que todos os grandes mestres merecem deixar.

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Arlindo Moura Jewellery – SóOuro

Av. Dr. Francisco Sá Carneiro, 1009 – Foz do Souza – Gondomar

+351 224 541 230

+ 351 913 322 856

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