Filigrana de Portugal
história contada em finos fios de ouro ou prata
Ao longo dos séculos, os ourives portugueses contaram histórias com fios de metal, cravaram tradições e eternizaram símbolos de identidade cultural em peças de filigrana. Esta técnica ancestral, que tem raízes no norte do país, com grandes núcleos de produção em Gondomar e Póvoa de Lanhoso, é um património nacional que revela a habilidade técnica dos seus produtores e a excelência da ourivesaria portuguesa.
A técnica da filigrana foi desenvolvida inicialmente em regiões como a Mesopotâmia, a Capadócia e a Anatólia ocidental, por volta do terceiro milénio a.C. A partir dessas regiões, a habilidade de trabalhar metais preciosos espalhou-se pelo mundo, incluindo a Europa, Pérsia, Índia e China. Os vestígios arqueológicos mostram que já no terceiro milénio a.C., os povos que habitavam a Península Ibérica trabalhavam metais preciosos como o ouro e a prata.
Em Portugal, a ourivesaria começou a florescer na região norte, durante a Idade Média, com a criação de peças de arte sacra que utilizavam técnicas de repuxado, soldadura e cinzel. O controlo de qualidade dos metais preciosos era rigoroso e a profissão de ourives estava altamente regulamentada. No século XVIII, durante o período dos Descobrimentos, a abundância de metais preciosos provenientes das colónias permitiu que a filigrana atingisse novos níveis de sofisticação. Este foi um tempo de transformação para Portugal, refletido nas peças de filigrana, onde cada volta e cada curva do fio simbolizava a jornada e a expansão do império português.
A filigrana não parou de evoluir. Nos séculos XIX e XX, enquanto Portugal enfrentava mudanças políticas e sociais, a técnica da filigrana também se adaptava. Em vez de se restringir aos estilos tradicionais, começou a incorporar influências contemporâneas, mantendo-se relevante e enriquecida com toques modernos. Neste período, a filigrana começou a ser valorizada pela sua complexidade técnica e as peças começaram a ser assinadas, conferindo-lhes um estatuto de obras de arte.
Em 2008, a filigrana portuguesa foi certificada, passando a ser obrigatória a exibição da punção da Contrastaria em cada peça. Esta marca atesta a qualidade dos metais preciosos utilizados e a sua origem manual. A inscrição no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial foi feita em 2023.
A produção da filigrana é um processo artesanal meticuloso que transforma fios finíssimos de ouro ou prata em intricadas obras de arte. Tudo começa com um desenho, o primeiro objeto tangível dos sonhos de criação. Depois, os metais preciosos são aquecidos até se tornarem líquidos e vertidos em moldes para formar barras compridas, que são marteladas, repuxadas, reduzidas e passam por uma série de fieiras para obter fios finíssimos, que podem ter menos de 0,2 mm de espessura. Os fios são torcidos dois a dois, recozidos e achatados para criar o cordão característico da filigrana.
A magia acontece quando a armação da peça, feita de uma fita de metal, define os espaços que serão preenchidos. Com destreza, as enchedeiras preenchem os espaços vazios com fios torcidos em padrões sinuosos, como espirais, SS, rodilhões ou crespos. Após o enchimento, a peça é soldada para unir todos os componentes sem deixar a soldadura visível. Em seguida, é moldada e ajustada com martelos e pinças. Os acabamentos finais incluem o branqueamento, a escovagem e o polimento, que removem impurezas e restauram o brilho da peça, resultando numa obra única que revela a habilidade e a dedicação de quem a produz.
Como uma arte viva em constante transformação, os finíssimos fios da filigrana portuguesa continuam a criar os típicos corações de Viana, anéis complexos, lágrimas adornadas, crucifixos ou esculturas profanas, gargantilhas intrincadas, vestidos ousados e até representações de grandes animais. A criatividade dos mestres filigraneiros, amparada por técnicas protegidas, prova que a imortalidade desta arte, que se adapta, inspira e renasce com as novas gerações.