Uma plataforma sobre o artesanato tradicional e as suas reinterpretações

 

Uma aplicação prática da dissertação “Olhares Criativos: Uma investigação sobre a inovação no artesanato tradicional no contexto das Indústrias Criativas”, produzida por Ana Vasco, no Mestrado de Comunicação e Gestão de Indústrias Criativas

Flup – Universidade do Porto

Cristina Gomes

Camisola Poveira

Cristina Gomes

tecendo coragem nas camisolas poveiras

Texto e edição de imagens cedidas pela artesã: Ana Vasco

No coração do bairro Norte, na Póvoa de Varzim, vive uma defensora fervorosa das tradições culturais e do espírito de união da sua comunidade. A artesã Cristina Gomes, que se apresenta como “uma poveira muito a sério”, nutre uma paixão inabalável pela sua terra e dedica-se incansavelmente à promoção, ao respeito e à preservação das histórias e das técnicas seculares que emprestam vida às renomadas camisolas poveiras.

A chama inicial

A tecelagem de laços com o passado começou cedo para Cristina. Guiada pelas mãos da sua mãe, aprendeu em pequenina a arte do tricô, uma prática comum nos lares da Póvoa, passada de geração em geração como um tesouro familiar. O fascínio pelas camisolas poveiras, peças distintivas do vestuário local adornadas com padrões intrincados e carregadas de simbolismo, cresceu ao longo dos anos. Em 2010, o desejo de aprofundar os seus conhecimentos levou-a a participar num curso dedicado a esta arte tradicional. A imersão no aprendizado marcou o despertar de uma jornada focada na técnica de produção e na essência da camisola. “Queria aprender mesmo de raiz”, confidencia, enfatizando o seu desejo de dominar os segredos da tradição.
Sob a tutela de Dona Gina, uma mestra muito experiente, Cristina refinou as suas habilidades e aprendeu a valorizar ainda mais os símbolos importantes para a sua comunidade. O reconhecimento internacional das camisolas poveiras, em 2021, que reacendeu o interesse e na valorização destas peças, motivou Cristina a redobrar os seus esforços na produção. Em janeiro de 2023, ela obteve a certificação enquanto artesã de camisolas poveiras, um reconhecimento que atesta o seu domínio técnico e a sua dedicação às tradições da Póvoa.
Hoje, no trabalho artesanal, Cristina não costuma fazer outros produtos. Ela dedica-se primordialmente à confeção da camisola certificada, um processo que se inicia com a seleção da lã mais pura da Serra da Estrela e que culmina no cumprimento rigoroso do caderno de especificações da camisola poveira.

A arte contra as adversidades

O percurso de Cristina Gomes tem sido marcado por desafios inesperados. Recentemente confrontada com sérios problemas de saúde, viu-se compelida a interromper o seu trabalho no município da Póvoa de Varzim e a reduzir o ritmo da produção de camisolas, uma atividade que executa como hobby e como forma de conectar-se às suas raízes culturais. Todavia, as limitações físicas não apagaram o seu espírito criativo; antes reforçaram a coragem que define a sua obra. “Vou fazendo aos bocadinhos, como posso”, revela, com a determinação de não permitir que a condição de saúde limite a expressão do seu talento. A sua postura revela um entendimento profundo da arte: a criação, sobretudo aquela enraizada em tradições culturais, requer não apenas técnica, mas também uma conexão espiritual e emocional com o trabalho. Para a artesã, a criação de camisolas poveiras vai além do ato físico de tricotar; trata-se, acima de tudo, de um ato de preservação e de partilha da história e dos valores da sua comunidade.
Cristina enfatiza que a sua motivação para criar não é financeira, mas sim cultural e pessoal. “O trabalho manual não dá lucro”, observa, apontando para o que considera ser uma subvalorização generalizada do artesanato em Portugal. No entanto, apesar de as suas atividades artesanais serem limitadas pelas circunstâncias de saúde e de o tricô ocupar um lugar mais de passatempo do que de sustento na sua vida, Cristina nota um crescente reconhecimento e apreço das pessoas pelas camisolas poveiras que produz, assim como uma valorização financeira mais significativa no mercado. Para a artesã, a certificação serve como uma garantia de que cada camisola é produzida seguindo rigorosamente as técnicas e padrões tradicionais, um aspeto que ela aborda com seriedade e orgulho.

Entre a tradição e as novas tendências do mercado

Cristina reconhece os desafios persistentes que o artesanato português enfrenta, sobretudo a falta de apoio institucional, porém mantém a sua esperança, desejando um futuro onde a colaboração criativa entre artesãos e designers prospere e inspire uma nova valorização do artesanato tradicional. Ela defende a criação de produtos que respeitem a tradição, mas que também tragam inovações compatíveis. Cristina acredita que tais parcerias podem enriquecer o artesanato, mas insiste que as novidades devem conseguir preservar os valores associados à camisola poveira, assegurando que a tradição continue sendo o núcleo de cada nova criação.
A história e a perspetiva de Cristina revelam uma dedicação apaixonada pelas camisolas poveiras, profundamente ligada ao seu amor pelas tradições, pela cultura e pela comunidade da Póvoa de Varzim. Quem adquire uma camisola poveira das suas mãos leva mais do que um artigo de artesanato; recebe uma parcela de coragem, um lembrete de que a beleza, a força e a arte podem ser partilhados e eternizados em peças únicas, mesmo nos momentos mais desafiadores.

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Cristina Gomes

Póvoa de Varzim

+351 919 520 899

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