Camisolas Poveiras
tricotadas por espera e saudade
A história das camisolas poveiras começa no mar. Elas eram uma armadura calorosa para os homens valentes que enfrentavam as ondas e o frio para sustentar as suas famílias. Tricotadas pelas mulheres que ficavam em terra, as camisolas eram símbolos tácteis de saudade.
Confecionadas manual ou mecanicamente com lã de ovelhas da Serra da Estrela, de cor natural, formato retangular e mangas compridas, eram inicialmente simples e funcionais. Mas evoluíram para expressões de identidade, adornadas com os símbolos marítimos a ponto de cruz em preto e vermelho. O design das camisolas adaptou-se às mudanças sociais e às tendências da moda, sempre ancorado na vida marítima da Póvoa de Varzim.
Os primeiros registos das camisolas poveiras estão em tábuas votivas do século XVIII, pedaços de madeira oferecidas em agradecimento pela sobrevivência ao mar. Desde 1868, ilustrações, gravuras, pinturas e fotografias mostraram que a camisola era o traje típico do pescador poveiro, usada também em dias festivos.
Em 27 de fevereiro de 1892, uma terrível tempestade ceifou a vida de 105 pescadores, fazendo com que as camisolas fossem substituídas por trajes de luto ou caíssem em desuso por evocarem dolorosas lembranças. Após a criação do Grupo Folclórico Poveiro em 1936, a camisola foi renovada. Os motivos minhotos deram lugar aos símbolos do mar e aos identificadores familiares.
Eleita símbolo da cultura local, a camisola poveira alcançou reconhecimento internacional, destacando-se em exposições e na National Geographic. O filme Ala-Arriba (1942) ampliou a sua visibilidade. Entre as décadas de 1950 e 1970, a produção e venda das camisolas atingiram o ápice, com muitas mulheres tricotando peças para complementar a economia doméstica.
Em 1968, Grace Kelly foi fotografada com uma camisola poveira, levando a fama da peça para além-fronteiras. Contudo, nos anos 80, o interesse pelo traje tradicional diminuiu, apesar dos esforços contínuos para promovê-lo. A relevância comercial das camisolas poveiras enfrentou um declínio significativo.
A reviravolta ocorreu em março de 2021, quando a estilista norte-americana Tory Burch lançou uma peça que reproduzia uma camisola poveira, vendida 695 euros, mas alegou inspiração na Baja California mexicana. Este equívoco gerou um forte movimento de defesa cultural em Portugal, culminando no reconhecimento do erro por parte de Burch e reacendendo o interesse pelo traje tradicional poveiro. A Câmara da Póvoa de Varzim criou uma plataforma digital para apoiar a comercialização das camisolas e promoveu cursos para ampliar e qualificar a produção artesanal.
Em 2021, a inauguração do Centro Interpretativo e de Formação marcou a renovação das camisolas poveiras, consolidando o apoio aos artesãos. No mesmo ano, 80 aprendizes passaram pela formação especializada e, no ano seguinte, o número de formandos dobrou. Por muitos anos, o Museu Municipal de Etnografia e História da Póvoa de Varzim tem sido também uma instituição essencial na preservação e promoção das camisolas.
A certificação das camisolas poveiras, em setembro de 2022, estabeleceu padrões de produção e buscou proteger o significado das peças, permitindo a inovação dentro do respeito pela tradição.
Esta história reflete a jornada de uma comunidade e a universalidade da expressão cultural através da arte têxtil. As camisolas poveiras são emblemas de resiliência, unindo gerações ao redor do calor de uma tradição que, apesar das marés da história, navega com firmeza para o futuro.