Uma plataforma sobre o artesanato tradicional e as suas reinterpretações

 

Uma aplicação prática da dissertação “Olhares Criativos: Uma investigação sobre a inovação no artesanato tradicional no contexto das Indústrias Criativas”, produzida por Ana Vasco, no Mestrado de Comunicação e Gestão de Indústrias Criativas

Flup – Universidade do Porto

Maria Alice Gordino

Bordados de Castelo Branco

Maria Alice Gordino

uma vida bordada com força e resistência

Texto e imagens: Ana Vasco

A excelência profissional alcança-se com imenso trabalho e determinação. Maria Alice Gordino, bordadeira da freguesia dos Escalos de Cima, em Castelo Branco, é o perfeito exemplo disto, ao ostentar uma trajetória singular marcada pela perseverança e por um profundo amor pela arte que dominou ainda na infância e que traçou o rumo da sua vida.

Primeiros Bordados

Desde os dez anos, Maria Alice foi educada nas técnicas tradicionais do bordado por senhoras da sua comunidade, numa região onde a arte das linhas era uma prática comum, “porta sim, porta não”, conforme relata a artesã. Após a perda do pai na juventude, abandonou o sonho de tornar-se educadora e, após completar 20 anos, dedicou toda a sua atenção aos bordados, comprometendo-se inteiramente com o ofício das agulhas. Seria impossível representar a luta diária e a dedicação desta artesã nos desenhos de uma grande colcha. A sua casa, transformada em ateliê desde cedo, nunca conheceu o ócio. Maria Alice trabalhava mais de 15 horas diariamente, todos os dias da semana, e considerava qualquer momento não dedicado ao bordado como um desperdício. Os seus dois filhos cresceram num ambiente repleto de bordados e desenhos, habituando-se desde cedo com os motivos de cravos e pássaros que, durante longos anos, constituíram o sustento da família.

O Valor da Arte

Uma colcha com os bordados de Castelo Branco é criada em cerca de seis meses, nas mãos de Maria Alice, sem descanso, e pode valer mais de sete mil euros no mercado. Ao longo da vida, a artesã nem imagina quantas colchas já produziu, mas nenhuma ficou para si ou para os seus filhos. Bem jovem, fez uma colcha de solteira para si e usou-a apenas no dia do casamento, mas quinze dias depois vendeu-a para uma senhora que se dedicava à revenda de bordados. A peça que mais tempo permaneceu nas suas mãos, e que a acompanhou em diversas exposições, também teve de ser vendida, porque o dinheiro, naquela altura, era mais necessário do que a arte. Ao longo da vida pontuada por sacrifícios pessoais, Maria Alice transformou o seu amor pelo bordado numa carreira próspera. Nos anos dourados do bordado, quando ainda se vendiam muitas colchas e grandes painéis em Castelo Branco, chegou a ensinar e empregar até seis pessoas simultaneamente no seu ateliê. No entanto, a mudança dos tempos e a diminuição da valorização do bordado tradicional levaram-na a adotar um trabalho mais solitário e independente. Perante o desafio de manter a relevância do bordado tradicional, a bordadeira procurou adaptar-se às novas exigências do mercado. Com uma habilidade técnica inigualável, iniciou a produção de bordados em cortiça e diversificou as suas obras, criando peças menores e painéis que fundem tradição com contemporaneidade. Esses produtos, que demonstram a sua capacidade de antecipar e satisfazer as tendências atuais, são comercializados mediante encomenda, através das suas redes sociais e no Jardim do Paço, no centro da cidade.

Pontos do Futuro

Maria Alice olha com preocupação para o futuro do bordado tradicional. Inquieta-se com a continuidade da sua arte e com a formação das novas gerações, enfatizando a necessidade de uma valorização adequada e de uma maior divulgação dos artesãos independentes. Para a artesã, a qualidade do trabalho não se assegura pela certificação, mas sim pela experiência e dedicação das bordadeiras. Esta artesã é um farol de inspiração, não apenas para quem aprecia os bordados, mas para todos aqueles que procuram encontrar paixão e propósito nas suas profissões.
A sua história sublinha a importância da autosuficiência e da determinação perante os desafios da vida, assim como a beleza de dedicar-se a uma arte que exige paciência, precisão e, acima de tudo, muito amor pelo que se faz.

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Maria Alice Gordino

Escalos de Cima, Castelo Branco

+351 272 425 241

+351 964 473 570

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