Bonecos de Estremoz
o barro que conta histórias
Há séculos, figuras peculiares de barro ganham vida nas mãos dos artesãos do concelho de Estremoz, no distrito de Évora. A técnica única de modelação – baseada em uma placa, um rolo e uma bola de barro, com faces marcantes, pinturas coloridas e corpos vestidos, que representam, normalmente, as figuras devocionais ou o povo alentejano – merece distinção especial por ser o caminho da criação dos bonecos, os mais pequenos embaixadores da cultura portuguesa.
As partes que compõem os bonecos de Estremoz são modeladas separadamente. Depois, são unidas e vestidas com roupas de barro. Após a secagem, são cozidas a cerca de 900ºC, pintadas com tintas têmpera ou acrílicas misturadas com cola branca, e finalizadas com verniz incolor. As figuras mais populares são o Presépio, a “Rainha Santa Isabel”, o “Amor é Cego”, o “Xexé”, a “Primavera”, os “Músicos Paliteiros” e os pastores.
De acordo com vestígios arqueológicos e documentos históricos, a produção destes bonecos remonta o século XVII. A tradição terá começado com mulheres “boniqueiras” que, em busca de imagens devocionais acessíveis, começaram a modelar figuras de santos em barro. Esta matéria-prima, abundante e de fácil modelação, tornou-se uma alternativa às esculturas em madeira, caras e difíceis de adquirir.
A produção aumentou consideravelmente entre 1750 e 1807, quando surgiram os presépios e as novas temáticas, inspiradas na Escola de Mafra e nos nobres presépios napolitanos. Os artesãos adaptaram-se às encomendas, replicando modelos eruditos com um toque local. Com o tempo, diversos bonecos tradicionais, originalmente criados para adornar os presépios, passaram a ser produzidos e apreciados fora do contexto natalício.
No século XIX, problemas económicos, políticos e sociais, juntamente com a falta de lenha e o aumento dos preços do barro, contribuíram para uma decadência lenta mas persistente na produção. No início do século XX, a tradição foi extinta com a morte da artesã Gertrudes Rosa Marques, mas, em 1935, a Escola Industrial António Augusto Gonçalves, através de José Maria Sá Lemos, recuperou a produção dos bonecos, a partir das lembranças da oleira Ti Ana das Peles. O figurado continuou a ser reinventado por Mariano da Conceição e pelos artesãos que com eles aprenderam.
A partir de 2012, o município de Estremoz começou a desenvolver ações para atrair jovens para esta produção. Em 2015, o figurado foi registado no Inventário Nacional de Património Cultural Imaterial e, em 2017, recebeu a distinção de Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Em 2018, os bonecos de Estremoz passaram a ser certificados e, em 2021, os bonecos e a sua história ganharam uma casa própria, o Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz (CIBE), no antigo Palácio dos Marqueses da Praia e Monforte.
Renovados na sua estética, os bonecos de Estremoz são a materialização de uma herança cultural que continua a encantar e inspirar. Eles são testemunhos do espírito alentejano e representam o povo e quem os interpreta, num grande círculo de tradição e inovação da cultura portuguesa.