Renda de Bilros de Vila do Conde
memórias entrelaçadas em redes
O interesse e o amor pela delicada dança dos bilros, que molda as rendas de Vila do Conde, envolvem toda a comunidade local. Documentos do século XVII já apresentavam esta tradição, destacando-a a 4 de maio de 1616, quando a Acta da Sessão de Câmara sublinhou a importância do centro rendeiro da região e o reconhecimento do ofício das rendilheiras. Com mais de 400 anos de história, as rendas de bilros mantêm-se como um símbolo de arte, tradição e dedicação, que enlaça gerações.
A produção das rendas de bilros concentrou-se nas freguesias de Vila do Conde, Azurara e Árvore, onde a vida comunitária e religiosa se entrelaçava com as rendas, essenciais nas celebrações e no quotidiano. Em 1616, as rendilheiras foram convocadas para se unirem ao grupo das costureiras e contribuir com a “folia das moças” na procissão do Corpo de Deus, um grande cortejo que apresentava os poderes e as profissões de destaque. Quem produzia rendas passou a ter relevância social, por contribuir para o desenvolvimento económico da cidade.
Contudo, em 1749, uma regulamentação de D. João V proibiu o uso das rendas em Portugal, numa tentativa de moderar o luxo e promover a autossuficiência económica. Este golpe abalou profundamente Vila do Conde, mas, graças à intervenção de políticos locais, o comércio para as alfaias domésticas foi autorizado quatro meses depois, e, em 1751, D. José I liberalizou também a produção de peças de vestuário e a comercialização de rendas a nível nacional.
No século XIX, Vila do Conde e as suas rendas alcançaram projeção internacional, com distinções em exposições de renome mundial. Em 1881, a cidade contava com 1200 rendilheiras ativas, consolidando-se como um polo de referência no artesanato de rendas de bilros.
O século XX trouxe desafios com a industrialização, a concorrência estrangeira e as mudanças sociais. A qualidade das rendas sofreu e os desenhos produzidos começaram a ser menos apreciados, mas a arte manteve-se viva em grandes ateliers, como a Casa Flores Torres, que, em 1914, empregava cerca de 200 rendilheiras.
Em 1919, foi criada a Escola de Rendas, para assegurar a transmissão de técnicas e a melhoria da qualidade dos produtos. A instituição formalizou o ensino da arte das rendas de bilros, um pilar fundamental para a continuidade da tradição. Esses esforços, porém, não foram suficientes para conter a diminuição do número de rendilheiras e o encerramento dos ateliers até 1975.
Diante do declínio, as rendilheiras optaram por trabalhar de forma independente. Nos últimos 30 anos, a Feira de Artesanato de Vila do Conde, iniciada em 1978, a fundação da Associação para a Defesa do Artesanato e Património, em 1984, e a inauguração do Museu das Rendas de Bilros, em 1991, foram fundamentais na preservação e revitalização desta expressão cultural.
Atualmente, a feira de artesanato, que atrai mais de 400 mil visitantes por ano, e a Escola de Rendas, situada no Museu das Rendas de Bilros, são pilares na formação, intercâmbio e perpetuação da tradição das danças dos bilros. Em 2015, as rendas de Vila do Conde foram certificadas e um recorde foi estabelecido, com a criação da maior renda de bilros do mundo, produzida por 150 rendilheiras e içada simbolicamente na Nau Quinhentista. A renda gigante tem 53 metros quadrados e foi feita com 8kg de linha e 437 peças de 30x30 centímetros unificadas.
Hoje, as rendas de bilros de Vila do Conde integram-se em diferentes contextos, sendo aplicadas em variadas superfícies. Este legado, que atravessa séculos, continua a encantar e inspirar novas gerações. As rendas permanecem como um símbolo de identidade, resistência e criatividade, que realça a riqueza do património cultural português.